ESPERANDO À ENCHENTE ALTA, PORQUE ESPERAMOS PELOS POLÍTICOS E GESTORES PÚBLICOS. ELES NÃO FIZERAM A PARTE DELES. VERDADEIRAMENTE? NEM NÓS

Alterado pela última vez às 8h31min deste 06.10.2023. Como a ficção e o absurdo são a nossa realidade. Compare, reflita e reaja.

Como na peça escrita em 1949, originalmente em francês e encenada pela primeira vez em 1953, pelo dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906/89), “Esperando Godot“, um texto ícone do teatro do absurdo, estamos esperando pela enchente aqui no Médio Vale do Itajaí. A enchente, provavelmente, será em todo o Vale, mas ressalto o Médio. Entendam.

Dizem, os entendidos, que ela pode chegar a 12 metros acima do leito normal do Rio Itajaí Açu, em Blumenau – que possui memória, tecnologia e estrutura – e sabe lá, quanto em outras cidades, como aqui em Gaspar. Então vamos esperar sábado, domingo ou segunda-feira. Até a Oktoberfest já foi cancelada.

E por que Godot me veio à mente, de algo que há muitas décadas eu li no Colégio Pedro II, de Blumenau, por indicação de um professor de artes chamado Emerich, e me impressionei quando a assisti no teatro, em meados da década de 1970, em São Paulo? 

Porque o diálogo em dois atos se dá por uma espera: a de Godot. Ao final, anuncia-se que Godot não virá mais; talvez, no texto de Beckett, “venha amanhã”.

E os personagens encerram o diálogo da seguinte forma: “Então, devemos partir?” (Vladimir). “Sim, vamos” (Estragon). Mas, nenhum dos dois se move. Baixa o pano. Aplausos e todos vão embora. Aliás, foi no papel de Estragon, que, em 1969 Cacilda Becker teve um derrame. Estava numa apresentação a estudantes em um festival de teatro amador, em São Carlos, interior de São Paulo. Morreu dias depois e deixou viúvo, o marido Walmor Chagas, que na peça, era o Vladimir.

Voltando. Estamos esperando Godot por mais de 20 anos. E ele não veio. Talvez ele “venha amanhã”. E estamos, como na peça, parados. Meu Deus!

E quem é Godot neste nosso caso? Os miseráveis políticos e gestores públicos. Se eles tivessem cumprido a parte deles no acordo judicial com os índios – que agora devem ser chamados de “povos originários” da reserva de José Boiteux, políticos e gestores públicos que aceitaram e não contestaram o acordo, ao menos as cidades abaixo da barragem de Ibirama estariam protegidas em até dois menos a menos de água das enchentes no nosso lombo. Repito: dois metros a menos. É cálculo técnico de técnicos, razão da existência da barragem.

Ora se a previsão é de 12 metros, a altura máxima seria de dez metros e isso faz toda a diferença para as cidades como Indaial, Timbó, Blumenau e até Gaspar que sofre duplamente devido estar mais ao nível do mar e o escoamento fica, naturalmente, comprometido.

Não vou entrar em minudências. A barragem atinge, quando cheia, exatamente por nos proteger aqui nas cidades, terras, circulação e ambientes de uso dos indígenas.

Índio não quer mais apito. Pediram compensação. “Autoridades”, promotoria justiça e indígenas chegaram a um acordo. Há mais de 20 anos. E isto tem um custo: hoje chega perto ou mais de R$20 milhões.

Perguntar não ofende? O que é isto diante de tanto estrago a particulares e consequentemente prejuízos – devido a paralisação parcial ou toral – em impostos aos governos federal, estadual e municipal com uma enchente de 12 metros, quando ela poderia ser de apenas dez metros? E do jeito como estão afinados os índios e o STF se demorar mais um pouco, será muito mais penimbas e compensações. Pior para todos. Mais desculpas e culpados. Mais prejuízos e insegurança.

Qual é impasse. Primeiro a nossa complacência com os políticos e gestores públicos obrigados a nossa proteção. Segundo a irresponsabilidade coletiva diante de tanta inércia em fato tão urgente e grave.

Os índios querem primeiro que os brancos cumpram a parte no acordo. Eles não acreditam nos políticos. Só nós. E parecem que eles estão com razão. Há mais de 20 anos nem eles, nem nós tivemos os pontos comuns cumpridos.

Há 20 anos, como Godot, estamos esperando pela solução. E ela não veio. Nem para nós, nem para os índios. Talvez, virá “amanhã”, como prometeu mais um político, o governador de plantão, Jorginho Melo, PL. Fez isso, sem antes apontar o dedo para os antecessores, que nominou como culpados. Antes dele, quais foram os nossos Godot? Luiz Henrique da Silveira, MDB, Leonel Arcanjo Pavan, PSDB e hoje no PSD, Eduardo Pinho Moreira, MDB, João Raimundo Colombo, PSD e Carlos Moisés da Silva, PSL e hoje Republicanos, além de uma penca de deputados da região.

Mas, quem vota e não cobra de governador, deputados federais e estaduais? Nós, os que estamos com água das perigosa e cheia de doenças das enchentes pelo pescoço, perdendo dinheiro em meio a um governo que, que para piorar, está afundando a economia. Nesta espera do nada também estão as entidades organizadas e olha que Blumenau, até que possui uma Associação Empresarial bem ativa. 

Como na peça de Samuel Beckett, mesmo sabendo que Godot não vem, estamos lá, parados, esperando que algum dia ele virá. E é neste ponto que este texto do teatro do absurdo se encerra.

Afinal, quem estamos esperando para nos tirar da água e da lama das enchentes, que é um fenômeno natural, incontrolável, todavia, mitigável – em até dois metros a menos de água nas nossas ruas, casas, lojas e indústrias, como esta barragem sobre o Rio Hercílio pode fazer a favor de nós. E os políticos e gestores públicos, que escolhemos e sustentamos com os pesados impostos, mas não cobramos, ainda não entenderam a obrigação deles para quem eles representam. E estamos esperando soluções e obras, talvez elas venham amanhã. Amanhã de certeza, vem mais uma enchente.

O nome Rio Hercílio onde está a barragem, é em homenagem a Hercílio da Luz, ex-governador por três oportunidades. Entretanto, verdadeiramente, quem está perdendo as oportunidades somos nós. E José Artur Boiteux que dá nome à cidade onde está a polêmica instalada? É tijucano. Foi jornalista, historiador, político e é patrono do ensino superior em Santa Catarina.

Então… o nosso jornalismo catarinense, sem memória, sem causas e sem identidade com as nossas prioridades é parte desta enchente também ser tão alta. Ele não é representativo. É meramente informativo. Apenas diz que Godot não virá, talvez amanhã. Em outros tempos, os políticos e gestores público estavam encurralados com a cobrança dos veículos – então influentes – e ninguém esperava Godot por tanto tempo.

TRAPICHE

Mais uma vez Ronaldo Coutinho, os que os “diplomados” nessa tal meteorologia condenam, desmontou, até aqui, a inércia das autoridades. Ele é técnico, experiente e intuitivo, intuição que falta, aliás, aos acadêmicos de papel passado. Não basta apenas mapas e modelos. É preciso entendê-los naquilo que eles escondem. E Coutinho leva esta vantagem nesta sua assertividade. Aliás, previsão não é precisão. Mesmo diante da tecnologia, a margem de erro é essencial.

Sem assunto sério, os políticos de Gaspar viraram papagaios do tempo. Todos dando palpites, alarmando e até informando. Falta-lhes credibilidade inicialmente. Não é agora na desgraça que vão se limpar com a água da enchente.

Escrevi sobre no teatro do absurdo. O aviltamento do Plano Diretor, os jeitinhos na secretaria de Planejamento Territorial e o aval do poder de plantão em Gaspar estão mostrando seus efeitos danosos a comunidades nestes dias de chuvas fortes por aqui. Há loteamentos represando água. Elas invadiram terrenos e casa dos outros onde isto nunca aconteceu. Nem nas piores enchentes. 

O primeiro voo do Caravan da Azul para o aeroporto Quero-Quero, depois de muitas voltas, foi dar em Navegantes. Isto foi ontem. Era bem previsível. Esta insistência é que não se entende.

Gaspar possui mais um pré-candidato a prefeito Gaspar, o servidor público Ednei de Souza. É pelo partido novo. Ednei já foi filiado ao PV, o mesmo de Rodrigo Boeing Althoff, hoje PL. Por isso, ambos trabalharam para o governo petista de Pedro Celso Zuchi. Em 2009, Ednei foi nomeado secretário de Desenvolvimento Social, o equivalente hoje a secretaria de Assistência Social.

Ivens Duarte será o presidente da Comissão Provisória do Novo. Ele é filho do fotógrafo e ex-vereador Ivo Duarte.

O presidente da Câmara de Gaspar, Ciro André Quintino, sempre foi -e é – do governo Kleber Edson Wan Dall, MDB. E as pesquisas eleitorais qualitativas mostram que a associação de políticos com o governo de plantão é tóxica para qualquer candidatura, inclusive a vereador, se alguém tentar. Pior mesmo está nos que tinham planos para sucedê-lo ou almejar uma vaga de candidato a prefeito. Por isso, tem político que vai sair do MDB e para enganar a plateia. E há espertos de última hora se descolando em público de Kleber. Só em público.

O que apareceu esta semana? Ciro André Quintino, MDB, o repórter das redes sociais e do programa de rádio de distribuição de prêmios, foi ao bairro Poço Grande “ouvir” uma moradora de lá. Ouviu duas.

Uma se queixou que seu filho autista não tinha o acompanhamento técnico que precisa. É uma queixa recorrente e para esconder isso, estão mostrando o tal Espaço Maker da Escola Mônica Sabel, o único lugar diferenciado em Gaspar. Nada de contraturno, turno integral… e falta crônica e permanente de profissionais e auxiliares de educação.

Outra mãe reclamou que não conseguiu colocar o seu filho na creche até agora. O que aconteceu, então? O próprio governista Ciro André Quintino, lavando a minha alma mais uma vez, expôs as fraquezas e a propaganda falsa ou incoerente do governo que ele apoia incondicionalmente naquilo que todos na cidade de Gaspar reclamam e que comento aqui dia sim, outro também?

Impressionante. Não só o vídeo contraditório que rodou as redes sociais, mas o malabarismo do vereador Ciro André Quintino, MDB. Ele disse que sempre defendeu mais creches e que elas estão vindo, mas não para atender a todos. Diz que sempre defendeu creches em tempo integral e talvez contratando terceiros para ampliar as vagas. Sete anos depois, Ciro repete igual ladainha dos políticos em campanha? 

Por outro lado, está gravado na Câmara, a fala de Ciro André Quintino, MDB. Nela, ele afirma ter sido a vereadora e presidente do seu, por enquanto MDB de Gaspar, Zilma Mônica Sansão Benevenutti, a melhor secretária de Educação que Gaspar já teve. Pois foi ela, quem fez um acordo com o Ministério Público para que as vagas integrais nas creches de Gaspar virassem meio período, como se todos os pais, fossem como os vereadores, que trabalham em meio período uma vez por semana.

Na última sessão da Câmara, por exemplo, cinco foram embora antes da hora, na única sessão da semana e que não durou nem uma hora e meia. Pior mesmo é que tem vereador que provoca e sai para não ouvir a resposta do provocado.

Os bois de piranha. Nesta mesma sessão, em nome da mesa diretora da Câmara, coube aos vereadores Alexsandro Bunier, PL e Giovano Borges, PSD, defender o aluguel dos quatro Corolla novinhos ao preço de R$20 mil por mês. Dionísio Luiz Bertoldi, PT, se disse contrário e nem usa carros oficiais para fazer o seu trabalho de vereador. Por outro lado, ele defendeu o inchamento – que era negado – dos gabinetes feito e por isso feito recentemente quase que na surdina. E por quê? Os políticos sabem o que fazem e o que pega nos eleitores.

A enchente foi a desculpa usada para adiar para o final de novembro e início a Expo Empreender, organizada pela Ampe de Gaspar e Ilhota. Ela pretendia mostrar a tal moda da Capital Nacional da Moda Infantil. Mas, o carro chefe da exposição e comercialização estava sendo a tal moda praia, íntima e fitness e que não tem nada a ver com Gaspar.

Quinta-feira, dia de chuva e todos esperando a tal enchente. Em Gaspar era dia de asfaltar e remendar asfalto. É ou não dinheiro jogado fora?

O PT continua inconformado com a derrota de Mari Inês Testoni Theiss por um voto na busca de uma das cinco vagas para o Conselho Tutelar de Gaspar. E quer judicializar o assunto para ver se tem mais sorte. Todos possuem pecados. Há campanhas nas igrejas, nos partidos e no governo. HOJE TEM RECONTAGEM DE VOTOS. MAIS UMA VEZ. O PT imitando Bolsonaro. Derrota não faz parte do jogo. Se tivesse sido na urna eletrônica a votação isto já teria sido superado. Espera-se que não se leve mais outras seis horas para contar pouco mais de cinco mil votos

Espanta eleitor. Em Gaspar há um político que carrega assessores para fotografá-lo e filmá-lo em qualquer lugar que ele vá, inclusive rezar perante imagens de santos. O político acha que está abafando. Por outro lado, há gente que acha que ele está importunando e usando imagens sem a devida autorização. Está perdendo votos. Acorda, Gaspar!

Compartilhe esse post:

Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Email

13 comentários em “ESPERANDO À ENCHENTE ALTA, PORQUE ESPERAMOS PELOS POLÍTICOS E GESTORES PÚBLICOS. ELES NÃO FIZERAM A PARTE DELES. VERDADEIRAMENTE? NEM NÓS”

  1. Pingback: A BARRAGEM NORTE EM IBIRAMA VIROU A NOSSA GAZA. HÁ UMA DISPUTA ENTRE A CIÊNCIA, A REALIDADE, OS POLÍTICOS, OS IGNORANTES E OS AMESTRADOS IDEOLÓGICOS DE SEMPRE.  - Olhando a Maré

  2. Pingback: FOI À FALTA DE OBJETIVOS E RESULTADOS DA GESTÃO, SOMADOS À VINGANÇA QUE DESTRUIRAM A MARQUETAGEM DO GOVERNO DE KLEBER E MARCELO - Olhando a Maré

  3. Pingback: SEM CAIXA PARA FECHAR AS CONTAS DESTE ANO - E QUE SE NEGA -, GOVERNO DE KLEBER E MARCELO VAI LEILOAR IMÓVEIS. É URGENTE. SÃO NOVE. UM DELES É A AGÊNCIA DO EX-BESC. A PREFEITURA A ARREMATOU DO BB QUANDO ANULOU UMA CONCORRÊNCIA DE MERCADO - Olhando a

  4. CONGRESSO E STF BRIGAM POR NADA, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo

    O Senado, a Câmara e o Supremo Tribunal Federal estão em pé de guerra. O pomo da discórdia é a defesa das prerrogativas constitucionais de cada instituição. Visto assim o conflito teria uma essência saudável. É triste, mas nessa elegante embalagem está embrulhada uma vulgar luta pelo poder, demarcação de território.

    O Supremo atravessa linhas que, a juízo do Congresso, exorbitam sua competência. Para conter esse avanço, senadores querem mutilar as atividades do Tribunal. Caso clássico de briga de antropófago com canibal.

    Uma coisa é certa, comparando-se o Congresso e o Supremo de hoje, com as mesmas instituições no dia em que foi promulgada a Constituição, há 35 anos, o Senado e a Câmara pioraram. Quem mudou mais, para pior, foi o Supremo.

    DUAS PROVAS DISSO:

    Uma, de alto nível, é a frequência com que a Corte decide uma coisa e, depois, o seu contrário.

    Outra, de baixo nível, é a frequência com que alguns ministros têm seus nomes associados a disputas por vagas na magistratura com o desembaraço de cabos eleitorais. O pior é que esses poderosos padrinhos não se incomodam com a exposição.

    UMA IDEIA VELHA PARA A SEGURANÇA

    Uma ideia para quem quiser acreditar numa contribuição para a segurança pública brasileira, sem perder tempo com o blá-blá-blá de prefeitos, governadores e ministros.

    Cria-se uma fundação de direito privado, financiada por empresas ou pessoas físicas. Ela pode ser municipal ou estadual.

    Associam-se à fundação os policiais civis ou militares que quiserem fazê-lo.

    Ela subsidiará habitações e educação para os associados e suas famílias. Poderá também conceder empréstimos.

    Se a iniciativa sobreviver, ela poderá até complementar a aposentadoria do policial.

    O associado que for denunciado por qualquer infração será gentilmente desligado da entidade. Iniciativas vagamente semelhantes existem nos Estados Unidos. Algumas deram certo, outras não.

    Essa fundação, ou outro organismo privado, pode ter qualquer desenho, a ideia básica é colocar um novo agente na cena. Até porque, desde 1988, a única novidade surgida foram as milícias.

    EQUIPAMENTOS E POLÍCIA

    Graças aos equipamentos colocados à disposição da polícia do Rio de Janeiro, ela descobriu que o carro usado pelos assassinos de três médicos que estavam na Avenida Lúcio Costa Costa, na Barra da Tijuca, foi para a Cidade de Deus. Outro equipamento interceptou um telefonema que poderia ter dado a localização das vítimas. Tudo isso em menos de 24 horas.

    Patrulha perto do hotel da Avenida Lúcio Costa, nem pensar.

    JOGO PERIGOSO

    As centrais sindicais precisam pensar na vida. Com uma das mãos armam o retorno do imposto sindical com outro nome.

    Com outra, o sindicato dos metroviários de São Paulo deflagrou uma greve contra a privatização da empresa, azucrinando a vida de milhões de pessoas.

    Quem faz greve política não pode reclamar se, politicamente, o troco vier na próxima eleição.

    DINO NO STF

    Se a nomeação do doutor Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal não sair nas próximas semanas, ela se arrisca a derreter como sorvete na praia.

    Dino foi um correto magistrado e governador do Maranhão. Chegou ao Ministério da Justiça com uma biografia invejável, mas entrou na máquina de moer carne da gestão da segurança pública.

    Uma vez em Brasília, acreditou no poder da parolagem.

    MINISTÉRIO DIPLOMÁTICO

    Só o tempo dirá se os embaixadores Celso Amorim e Mauro Vieira foram consultados antes de o Brasil ajudar o atual governo da Argentina com um empréstimo de US$ 1 bilhão do Banco de Desenvolvimento da América Latina.

    A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que a decisão foi dela. O empréstimo foi aprovado por 20 países que compõem a direção do banco.

    A ajuda exacerbou a retórica do candidato oposicionista Javier Milei.

    A DESPEDIDA DE ROSA WEBER

    Noves fora o fato de ter descongestionado o acúmulo de processos no Conselho Nacional de Justiça, a ministra Rosa Weber trabalhou até pelo menos as 22h30m de seu último dia de serviço.

    Como sempre, em silêncio.

    NEPOTISMO ARCAICO

    O deputado distrital de Brasília Chico Vigilante (PT) nomeou a filha do ministro Wellington Dias (PT) para seu gabinete e seu filho foi nomeado para o gabinete da suplente de Dias no Senado.

    Com a entrada do Tribunal de Contas em campo, a transação poderá ser desfeita.

    É o velho e bom nepotismo cruzado, disfarçado de novo.

    MORO NA DEFESA

    Se Cristiano Zanin não estivesse no Supremo, o senador Sergio Moro poderia tê-lo contratado para cuidar da sua defesa na investigação que a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça lhe move. Diante do aparecimento de relatórios que arrolam malfeitos ocorridos na Vara de Curitiba, ele argumentou:

    “A corregedoria do CNJ abriu uma investigação contra um senador da República. Quando o CNJ tem competência para investigar um senador? Tem sob o Judiciário. Não sou mais juiz. Deixei a toga.”

    Um criminalista jamais permitiria que usasse esse argumento. Ele pressupõe que o ex-juiz foi para o Senado em busca de proteção.

    BALA NA AGULHA

    A senadora Tereza Cristina (PP-MS) fala pouco, mas vai se tornando um nome fácil para qualquer composição de chapa para a sucessão presidencial de 2026. Ela conseguiu sobreviver no Ministério da Agricultura de Jair Bolsonaro sem se confundir com os agrotrogloditas nem com a retórica malcriada do governo.

    OUTUBRO DE 1963

    No dia de ontem, há 60 anos, o presidente americano John Kennedy fez uma reunião na Casa Branca para discutir a situação do Brasil e do presidente João Goulart. Discutiu-se a possibilidade de um golpe militar, e Kennedy quis saber se haveria possibilidade de os EUA decidirem intervir. Seu embaixador, Lincoln Gordon, desestimulou a ideia de uma ação direta.

    Cinco dias depois, Lee Oswald viu na televisão o filme de um atentado contra o presidente dos Estados Unidos. O assassino (representado por Frank Sinatra) usaria um rifle com mira telescópica. Oswald tinha um e já o havia usado, sem sucesso, para balear um general.

    No sábado, completam-se 60 anos do dia em que Lee Oswald soube que poderia arrumar seu terceiro emprego em dez meses, no prédio de um depósito de livros de Dallas.

    (A essa altura, estava decidido que Kennedy estaria em Dallas no dia 22 de novembro, mas estava indefinido o percurso de sua caravana pela cidade.)

  5. A esquerda do atraso, inclusive que infesta as redações dos grandes veículos, precisa do monopólio da vida e da morte contra os cidadãos. Ora. Se o Estado não consegue prover plasma de sangue suficiente para salvar vidas, por que impedir que agentes privados façam isto com competência e o estado compre o que precisa e não consegue produzir por incapacidade? Não é assim com os remédios que o SUS distribui? O mundo mudou. A esquerda continua no século passado reverenciando seus ícones de um tempo de conquistas já superadas.

    PEC DO PLASMA: SENADO AMEÇA CONQUISTA DE BETINHO NA CONSTITUINTE, por Bern ardo de Mello Franco, no jornal O Globo

    Herbert de Souza não era parlamentar, mas participou da Assembleia Constituinte. O sociólogo foi voz ativa nos debates sobre saúde. Liderou uma campanha pela proibição do comércio de sangue e hemoderivados no país.

    Betinho vivia uma tragédia familiar. Acabara de perder os irmãos Henfil e Chico Mário para a Aids. Os três eram hemofílicos e haviam contraído o vírus ao receber transfusões de sangue.

    O cartunista e o músico morreram no início de 1988. Em vez de se abater, o sociólogo transformou o luto em ação. Escreveu artigos, percorreu gabinetes, ocupou o gramado do Congresso com manifestantes fantasiados de vampiros.

    Em agosto, o esforço atingiu seu ponto máximo. Depois de conversar com os principais líderes partidários, Betinho discursou no maior auditório da Câmara. “A tragédia da Aids é a tragédia da morte, que passa por este sistema de saúde marcado pela comercialização, pelo lucro e pela impunidade”, afirmou.

    A pressão surtiu efeito. A Constituição proibiu a venda de órgãos, tecidos e substâncias humanas para transplante, além da coleta, processamento e transfusão de sangue e derivados.

    Na semana em que a Carta completou 35 anos, o Senado começou a minar a conquista de Betinho. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou uma proposta de emenda que abre caminho à comercialização de plasma humano. A substância faz parte do sangue e é usada em tratamentos e na fabricação de remédios.

    O Ministério da Saúde tentou barrar a votação da chamada PEC do Plasma. A bandeira contra venda de sangue também foi empunhada por senadores da oposição. Contrária à emenda, a ex-tucana Mara Gabrilli disse que os países que proíbem a prática têm sistemas de coleta e transfusão mais seguros, com menor taxa de contaminação para doenças como hepatites, sífilis e Aids.

    “Mesmo com a garantia de que todo o material será testado, a possibilidade de haver uma coleta de sangue contaminada é grande, já que a pessoa que quer ganhar dinheiro com isso pode omitir informações importantes”, alertou.

    A senadora Zenaide Maia classificou a emenda como um “retrocesso civilizatório”. Ela sustentou que o sangue não pode ser tratado como commodity, a exemplo da soja, do trigo e do minério. “Por favor, gente, sangue não é mercadoria. O mundo todo é contra isso”, disse.

    O mundo todo, mas nem todo mundo. Na votação de quarta-feira, os defensores da emenda recorreram a outros tipos de argumento. “Sou uma mulher cristã, sou uma mulher temente a Deus, sou contra o aborto”, disse a relatora Daniella Ribeiro.

    “Não existe remuneração para transplante de órgãos, isso não está colocado”, defendeu-se o autor da PEC, Nelsinho Trad. “O sangue é um órgão, o derivado dele não é”, discursou. O jogo de palavras não faz sentido, porque a Constituição proíbe expressamente a comercialização de sangue e de hemoderivados.

    O Congresso tem memória curta. Em cinco horas e meia de debate, nenhum senador citou o nome ou a luta de Betinho.

    Antes da votação, o ministro Alexandre Padilha fez um último apelo. “A proposta autoriza empresas privadas a captarem o sangue humano e venderem produtos. É um verdadeiro vampirismo mercadológico”, criticou.

    A pressão do mercado da saúde falou mais alto. A comissão aprovou a PEC do Plasma por 15 votos a 11.

  6. GUERRA PERDIDA, por Eliane Cantanhêde, no jornal O Estado de S. Paulo

    O Brasil assistiu, na semana passada, a uma síntese da gravíssima crise de segurança pública, que só piora e não se sabe até onde pode chegar. Os 33 tiros contra quatro médicos num quiosque no Rio e a chacina de uma família inteira na Bahia não deixam dúvidas: o crime está ganhando a guerra, enraizou-se no País inteiro, tem comando, estrutura, quadros, armas e dinheiro, muito dinheiro. O Estado está tonto, inseguro, despreparado e passivo. A política aplicada há 40 anos deu nisso.

    O episódio no Rio revela muito dessa nossa tragédia cotidiana. Não havia nenhum esquema de segurança para um evento internacional com milhares de pessoas. O alvo dos tiros era um bandido conhecido, filho de um ex-PM que virou chefe de milícia (como tantos outros…), morador de uma das áreas mais luxuosas do País, a um quilômetro não apenas de uma delegacia de polícia, mas de uma delegacia de homicídios. Parte da paisagem, à luz do dia, à luz da lua, à vista de todos.

    Já a “inteligência” da quadrilha, com olheiros por toda parte, identificou e avisou sobre o “alvo” no quiosque, os matadores estavam a postos e já chegaram atirando não em um, mas em todos à mesa. O erro macabro foi a confusão entre o bandido e um dos médicos, com altura, peso, barba, cabelo e até óculos muito parecidos. E isso custou a morte de três cidadãos de bem e também dos seus executores. Em 12 horas, o crime julgou, condenou e matou os que mataram. E o “tribunal” foi convocado de dentro da prisão, por celular.

    Em Jequié, cidade mais violenta de um País tão violento, que fica na Bahia, Estado recordista em assassinatos e letalidade policial, criminosos dizimaram uma família inteira de ciganos. Entraram na casa – na casa! – e atiraram numa moça de 22 anos, grávida de nove meses, numa menininha de quatro anos, duas mulheres e dois homens. Um terceiro já havia sido morto.

    O ministro da Justiça, Flávio Dino, e o diretor geral da PF, Andrei Passos, estavam justamente na Bahia, anunciando mais RS 134 milhões para o combate ao crime organizado. O que, como o próprio Dino deve saber, não resolve nada. Pinuts. Sem um pacto nacional entre os três poderes, Estados, municípios, universidades, mídia e setor privado, com assessoria dos maiores especialistas daqui e do mundo, não tem governo, ministro, PF ou dinheiro que deem jeito.

    E mais. Segundo o Sou da Paz e a Oxfam Brasil, a reforma tributária em tramitação no Congresso pode reduzir drasticamente (é literal) os impostos sobre armas no País. De 75,5% no Rio e de 63,5% em São Paulo para 10% nos dois Estados. Tudo que está ruim pode piorar…

  7. ORA, A CONSTITUIÇÃO! por Carlos Sardenberger, no jornal O Globo

    Data venia, desculpa qualquer coisa e perdão pelas palavras, mas a Constituição Cidadã foi um desastre econômico. Gerou uma versão estatizante e criou direitos e benefícios que simplesmente não podem ser cumpridos.

    O salário mínimo é inconstitucional desde que a Carta Magna foi aprovada, em 1988. Diz lá que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

    Considerem uma família de quatro pessoas, casal e dois filhos, morando no Rio ou em outra região metropolitana, e está na cara que o valor atual, R$ 1.320, não dá.

    Qual seria o valor constitucional? O Dieese faz o cálculo todos os meses. Para setembro último, a estimativa alcança exatos R$ 6.280,93 — ou 4,75 vezes o efetivamente pago a trabalhadores, aposentados do INSS (26,2 milhões) e aos que recebem o Benefício de Prestação Continuada (5,5 milhões).

    Qualquer um pode, pois, entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e pedir que o STF corrija a distorção. Mas ninguém propõe essa medida a sério. E, se fosse proposta, ficaria dormindo nas gavetas de Suas Excelências. Por óbvio: o mínimo constitucional quebraria as empresas privadas e todos os níveis de governo. Só o INSS teria um gasto adicional absurdo de R$ 130 bilhões por mês.

    Mais: se a loucura fosse concretizada, provocaria um surto de hiperinflação e o endividamento do governo. A inflação desvalorizaria o novo mínimo, que logo se tornaria de novo inconstitucional. E a dívida pública provocaria um aumento nos juros, tornando o crédito inviável. Recessão.

    Eis o ponto: no caso do mínimo, a Constituição Cidadã não se aplica.

    Também não se aplica na saúde. A Carta é explícita, no artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

    Todo brasileiro, portanto, tem o direito de ser atendido com a melhor medicina, de graça. Por isso, aliás, se definiu o Sistema Único de Saúde, SUS. Para os constituintes, toda a prestação de saúde seria estatal, socializada. Só não ficou assim porque, ao final da tramitação, se fizeram umas contas e se verificou que o governo não teria dinheiro para estatizar e manter todo o sistema privado.

    Assim, em caráter secundário, a Constituição autorizou serviços privados de saúde, que deveriam ser isso mesmo, suplementares, coisa pequena. Mais de 45 milhões brasileiros recorrem a esse sistema dito secundário, basicamente pagando seguro e planos de saúde.

    Tanto o sistema público quanto o privado sofrem restrições econômicas. Claro. Há remédios e tratamentos que, universalizados, quebrariam os dois sistemas. Mas, como a Constituição garante o direito fundamental, as pessoas vão ao Judiciário, que obriga governo e seguradoras privadas a custear o que for pedido. A judicialização torna-se, assim, um custo generalizado. O SUS acaba subfinanciado, e o setor privado fica cada vez mais inacessível. A Constituição também não se aplica aqui.

    Mais. No artigo 5º, a Carta garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Os médicos executados no Rio não tiveram garantia de direitos à vida, à liberdade e à segurança.

    A Constituição consagrou a democracia, é libertária na política e nos costumes — um enorme avanço. Mas criou utopias, miragens e desequilíbrios econômicos e sociais, de modo que o sistema é levado a tolerar, digamos, situações inconstitucionais. Parece que basta declarar o direito, seja ou não cumprido na real.

    Não foi por acaso que a Carta precisou de mais de 130 emendas, mesmo já tendo começado com uns 250 artigos. E ainda não ficou adequada.

  8. MODERAÇÃO AOS PODERES, por Dora Kramer, no jornal Folha de S. Paulo

    Há que se chamar ao exercício da moderação o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Apelar à observância do pressuposto maior da política em seu sentido nobre: a construção de consensos a partir de dissensos.

    Instituições que —cada qual a seu modo e grau de intensidade— resguardaram a legalidade, enfrentaram os achaques golpistas de um presidente da República e, assim, reforçaram a democracia, agora atuam para enfraquecê-la.

    Fricções são normais entre Poderes, por independentes. Já atritos ao molde de conflitos pedestres, ferem o preceito da harmonia. Pois é isso o que vemos no rebuliço armado entre o Parlamento e a corte maior do Judiciário.

    Não deveria ter acontecido, mas aconteceu. E aqui o que menos importa é quem começou, quem grita mais ou quem tem menos razão. Ambos têm suas motivações (honrosas e/ou desonrosas) que, no entanto, não justificam disputas por protagonismo.

    O STF falha na autocontenção e o Congresso não se contém na provocação. Há inegáveis exageros na corte, como se observa em determinadas decisões, notadamente as monocráticas, e no evidente engajamento político de alguns juízes.

    Os parlamentares, por seu lado, pretendem se imiscuir no funcionamento do tribunal e para isso extrapolam em propostas sabidamente inconstitucionais apenas para afetar combatividade.

    Há um quê de exibicionismo de ambas as partes, indisfarçável até mesmo nas palavras amenas dos comandantes dos Poderes. As falas mansas são contrariadas pelo desassossego dos atos que a cada dia acrescentam um ponto no atrito.

    Para chegar aonde? A qual destino levará o cabo de guerra? Quem ganhar essa ou aquela disputa pontual fica com que tipo de troféu? Não há vencedores nesse horizonte onde viceja a instabilidade sem resultados.

    Perderemos todos se suas altezas legislativas e judiciais não colocarem essa bola no chão em nome do bom andamento dos trabalhos institucionais.

  9. Boa tarde.
    Sobre as enchentes, tomara que a chuva dê uma trégua, não pra evitar escancarar a fragilidade dos podres poderes,
    mas pra que a nossa gente, já tão desassistida, padeça de mais esse sofrimento.

  10. CRIME ORGANIZADO PULVERIZA PLANO ANTICRIME DO GOVERNO, por Josias de Souza, no Uol

    A criminalidade pulverizou o plano anticrime de Flávio Dino em memos de uma semana. Na segunda-feira, o ministro da Justiça lançou em Brasília o seu Enfoc, Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas. No capítulo emergencial, o embrulho continha reforço policial e monetário para Bahia e Rio de Janeiro. Na quinta, duas chacinas desafiaram as autoridades nesses dois estados.

    Numa, quatro médicos paulistas foram crivados de balas na orla carioca. Três morreram. Noutra, uma família inteira foi passada nas armas na cidade baiana de Jequié. Os assassinos não pouparam nem mesmo uma criança de cinco anos. Houve seis mortes —sete se for levado em conta que uma das vítimas estava no nono mês de gravidez. Ficou mais uma vez entendido que o crime organizado não teme o estado brasileiro.

    Pior: os criminosos incorporam suas vernissagens de cadáveres à paisagem das autoridades. Flávio Dino desembrulhava seu pacote de segurança em Salvador, ao lado do governador petista Jerônimo Rodrigues, quando os corpos da chacina de Jequié foram pendurados de nas manchetes. Nesta sexta-feira, descobre-se que a polícia do Rio localizou os corpos de bandidos suspeitos de participação na execução dos médicos. Teriam sido condenados à morte pelo tráfico por ter matado as pessoas erradas. O alvo seria um miliciano parecido com um dos médicos.

    O crime é autossuficiente. Elege os alvos, financia a execução e mata os matadores em caso de erro. O Estado é mais lento. Afora os atendimentos às emergências baiana e carioca, o plano anticrime de Dino possui cinco eixos genéricos e uma promessa de que serão detalhados posteriormente. O ministro talvez precise incluir no seu cronograma o planejamento do insolúvel

    A percepção de que a insegurança se tornou algo indissolúvel produz um fenômeno nefasto. Há uma certa domesticação do horror. O país passa a tratar a morte e a violência como anormalidades da vida normal.

    No Rio, o quiosque onde foram assassinados três médicos foi reaberto na manhã desta sexta-feira como se o sangue não tivesse escorrido entre suas mesas na véspera. O congresso de medicina que antecipou o encontro dos médicos paulistas com a morte manteve sua agenda.

    É como se o país negligenciasse a própria derrocada para manter a criminalidade à margem de sua realidade paralela. O diabo é que a reincidência do crime conspira contra o desejo de fingir. O problema da segurança pública no Brasil não é político nem jurídico. É dramático!

  11. HISTÓRIAS DE MAIS UM DIA DE DESESPERO NA ARGENTINA, por Vinicius Torres Freire, no jornal Folha de S. Paulo

    Em algumas das tantas variedades de taxa de câmbio na Argentina, o dólar baixou de preço nesta quinta-feira (5). Na quarta-feira (4), o dólar paralelo (“blue”) batera “recorde” ou assim diziam os títulos das notícias. Não importa muito e talvez nem seja bem verdade.

    Histórias miúdas ou enormidades destes dias mostram que o buraco argentino é bem mais para baixo e descendo. Explosão maior do dólar, ou de muito mais, vai vir depois da eleição, com ou sem um plano de estabilização econômica.

    Por falar em motivos miúdos, nesta quinta-feira teve batida da Receita Federal deles, da Alfândega e da Polícia Federal em bancos e financeiras, entre outros, acusados de facilitar maracutaias de remessa ilegal de dólares para o exterior. Empresas são acusadas de fazer importações falsas a fim de dar o fora com os dólares (no caso, US$ 400 milhões).

    Com as batidas, o mercado paralelo quase parou. Sem mercado, não tem recorde (ou baixa). O governo disse que a batida (busca e apreensão) nada teve a ver com o recorde do paralelo, do “blue” no dia anterior. Com crime ou não, quem pode dar o fora com seus dólares, dá. O governo tenta tapar o sol com a peneira rasgada dos controles de câmbio e outras mágicas velhas e falidas. Está tudo desmoronando.

    A Argentina parece caçar boi no pasto ou coisa muito pior. “Caçar boi no pasto”: em 1986, no começo da ruína do Plano Cruzado de combate à inflação no Brasil, havia escassez de produtos por causa do tabelamento de preços, de carne inclusive.

    O governo de José Sarney mandou “caçar boi no pasto”, até com polícia e rasante de helicópteros em fazenda onde, supunha-se, escondiam-se os bichos. Logo depois, 1987, o Brasil quebraria, declarando moratória da dívida.

    Por estes dias, o governo argentino está fazendo coisas como pedir aos exportadores de petróleo que tragam o quanto antes, de modo antecipado, os dólares de suas vendas. Olha o tamanho do desespero. O Banco Central da Argentina quase não tem reservas internacionais. Descontado o que deve, por assim dizer, o nível das reservas do BC está no vermelho, no volume morto, ou quase isso.

    É a isso que se dedica Sergio Massa, ministro da Economia e candidato a presidente, ora no comando de fato do país. Alberto Fernández quase sumiu da cena do desastre que ajudou a provocar (com Mauricio Macri). O governo tem de catar uns trocados para pagar a próxima prestação do FMI. Não está vivendo nem da mão para a boca.

    Quanto ao tamanho das disparadas no câmbio, na verdade, a gente nem sabe direito qual o preço do dólar no paralelo (é um mercado informal). Mais importante, com a inflação argentina, mais de 12% só no mês de agosto, em termos reais sabe-se ainda menos de “recorde” —em várias taxas de câmbio, a situação real esteve ainda pior em fins de agosto.

    Relevante mesmo é a desvalorização enorme que virá depois da eleição, com algum plano de estabilização da economia (deve vir algum, imagina-se). Importa ainda a percepção de risco crescente de calote. O risco país da Argentina foi a 2.719 pontos nesta quinta-feira (27,19%) —o do Brasil tem andado por baixo da casa de 200 pontos. Havia liquidações de títulos da dívida argentina em dólar.

    Massa e o que resta do governo peronista fazem malabarismos com miudezas circunstanciais a fim de evitar um colapso pirotécnico antes do primeiro turno da eleição presidencial, no dia 22 de outubro, se é que vai haver segundo, pois o lunático Javier Milei está forte e sacudido.

    No que o governo Lula puder ajudar, é recomendável fazê-lo, com diplomacia a fim de arrumar um acordo para a reconstrução dos vizinhos (claro, desde que a Argentina queira se ajudar). A coisa vai ser ainda mais feia por lá.

  12. O PLANO DE SEGURANÇA DO GOVERNO E OS PROJETOS DO CONGRESSO CONTRA O STF: AS MONTANHAS PARIRAM RATOS, por Eliane Cantanhede, no jornal O Estado de S. Paulo

    O nosso Brasil, tão varonil, vive duas guerras simultâneas. Uma, política, cheia de malícia, de Senado e Câmara contra o Supremo, Senado contra a Câmara, o Executivo fugindo das balas perdidas. Outra, sangrenta, que atinge crianças, famílias inteiras e médicos tomando cerveja na praia do Rio de Janeiro.

    Na de Brasília, é “tudo junto, tudo misturado”, como diz um ministro do Supremo. No Congresso, uns reagem à condenação dos terroristas do 8/1, outros às pautas liberais e quem manda se aproveita para atrair todos eles. Detalhe: os dois projetos contra o Supremo foram aprovados rapidinho, mesmo o Senado todo sabendo que ambos vão parar no próprio Supremo e, portanto, não vão dar em nada. Ou seja, foi birra, recado.

    A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou em 42 segundos (42 segundos!) uma PEC que altera o regimento interno do Supremo sobre decisões monocráticas e pedidos de vista – já modificados, aliás, pela própria corte. Pode fazer sentido no mérito, mas é só implicância. Se for até o fim, é claro que vai ser julgado inconstitucional na corte, pela cláusula pétrea da independência dos poderes. Ponto.

    O marco temporal das reservas indígenas foi votado no Senado dias depois do julgamento contrário no STF. Numa tarde, passou pela comissão, ganhou urgência e foi aprovado no plenário. O Supremo foi para um lado, o Senado, para outro. Se o presidente Lula sancionar o projeto do Congresso, o Supremo também vai derrubar. Ponto.

    E vem por aí o projeto que dá poder ao Legislativo para derrubar decisões não unânimes de uma corte onde qualquer unanimidade é impossível com o ministro Nunes Marques. Curioso é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, liderar a rebelião contra o Supremo. Por estar isolado em Minas? Sob o cabresto do senador Davi Alcolumbre? Por ter sido preterido para a corte?

    O novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, é da paz, mas “quando dois não querem, dois não brigam” e quando ninguém quer a paz, não há paz. Pacheco, Alcolumbre, Arthur Lira e Centrão usam a pauta liberal do Supremo para conservadores e a extrema direita do Congresso. Lembrando que o Brasil é, majoritariamente, contra a descriminalização do aborto e do porte de pequenas quantidades de maconha, por exemplo.

    O que o Brasil não aguenta mais são episódios como o assassinato dos médicos no Rio, que remete ao de Marielle e Anderson, e a chacina contra uma família de ciganos na Bahia, campeã em mortes criminosas. E o pacote contra o crime do ministro da Justiça, Flávio Dino, foi feito às pressas, para inglês ver. Assim, Congresso e governo federal, com projetos e planos que não dão em nada, agem como “a montanha que pariu um rato”. Na crise entre poderes, todos sobrevivem. Em tiroteios reais, quantos mais vão morrer?

  13. EXCESSOS DE EXCEPCIONALIDADES, editorial do jornal O Estado de S. Paulo

    O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu os primeiros três julgamentos realizados em plenário virtual de processos penais relativos ao 8 de Janeiro. Os réus foram condenados a penas que variam de 12 a 17 anos, pelos crimes de associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e deterioração de patrimônio tombado. Um dos réus, preso quando estava na Praça dos Três Poderes, foi absolvido dos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

    Esses julgamentos expõem um dilema sério. Por um lado, o STF não tem condições de realizar o julgamento presencial de todos esses casos. São mais de mil ações penais. Por outro, é inegável que o julgamento virtual produz graves limitações ao direito de defesa. Nessa situação, a atuação da defesa fica resumida à apresentação de um vídeo do advogado, que ninguém sequer sabe se será visto pelos ministros julgadores. A Lei 8.038/90 e o Regimento Interno do STF garantem o direito à sustentação oral.

    Cabe advertir, em primeiro lugar, que foi o próprio Supremo o autor desse problema, ao entender que competia à Corte realizar esses julgamentos. Foi uma interpretação um tanto criativa, tendo em vista que nenhum dos acusados tem foro especial por prerrogativa de função. De toda forma, a maioria do colegiado acolheu o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes. Há, nessa história, um aprendizado. O respeito à competência de cada jurisdição contribui também para o bom funcionamento operacional da Justiça.

    Um segundo ponto refere-se à proporcionalidade e à razoabilidade, princípios frequentemente usados pelo STF na fundamentação de suas decisões. Se, por impossibilidade material, os casos terão de ser julgados no plenário virtual – num cenário de evidente redução de direitos dos acusados –, a contrapartida necessária é reduzir drasticamente o patamar das penas. Não cabe condenar uma pessoa a 17 anos de prisão, sendo 15 anos e meio em regime fechado, em um julgamento no qual o defensor foi impedido de apresentar suas alegações – e que, por já ter começado no STF, terá reduzidas oportunidades de recurso e de revisão.

    Precisamente porque os ataques ao regime democrático foram gravíssimos é que a resposta da Justiça deve ser exemplar – exemplar no cumprimento da lei e no respeito aos direitos próprios de um regime democrático. Se há um impedimento material para que os processos se realizem da maneira prevista na lei, isso deve se refletir em uma aplicação mais comedida da pena. Não se pede impunidade. Mas deve haver um mínimo de ponderação – é por isso que há juízes, e não máquinas, aplicando a lei no caso concreto.

    Não adianta impor penas duríssimas sobre quem invadiu as sedes dos Três Poderes no 8 de Janeiro, se os articuladores do golpe ficarem impunes. Há uma grande disfuncionalidade nessa suposta proteção da democracia. Punir mais de mil pessoas a penas duríssimas – de mais de uma década na prisão – não tornará o regime democrático mais seguro, se os mandantes do golpe não forem punidos.

    Há outro aspecto que merece atenção. Como alertou o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, esse deslocamento do julgamento das ações do 8 de Janeiro para o plenário virtual, por ter sido realizado pela mais alta Corte do País, gera apreensão também “pela potencial disseminação da orientação a outros tribunais que possuam competência originária para processar ações penais”. Isso seria um grande retrocesso. Só faltava que a defesa da democracia, que demanda tanto tempo e energia do STF, levasse a um decaimento na compreensão e no respeito a direitos fundamentais. Cabe à Corte, portanto, explicitar que o procedimento foi absolutamente excepcional, não devendo ser replicado em outras jurisdições.

    É preciso punir quem atuou contra a lei e contra as instituições democráticas. Mas essa tarefa, no Estado Democrático de Direito, exige mais do que mão pesada. Requer discernimento e razoabilidade. Só assim a punição cumprirá sua função

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Não é permitido essa ação.