Texto revisado e alterado parcialmente às 14h15min deste 21.05.2025. Este é o segundo artigo, de três desta semana, sobre a esperada tal mudança, mas que no fundo não mudou. E tudo se ajeita para nada mudar em Gaspar, em favor do futuro da cidade e sua gente. Enfim.
Na semana passada, finalmente, Gaspar fez uma solenidade para mostrar à cidade, que com muitas décadas de atraso, foi constituído por aqui, ao menos no papelinho, o nosso “Observatório Social do Brasil”. A iniciativa é particular. Nada a ver com o poder público, registre-se. Que todos os santos o abençoe.
Antes de ir adiante é preciso dizer, pois a maioria não sabe, o que é um “Observatório Social”. Ele pretende garantir, em qualquer nível organizacional, a associação de pessoas idôneas, sem vinculação partidária ou subordinação a órgão observado (no caso de Gaspar e na maioria dos municípios, a gestão pública. É uma organização em rede. Tem focos e parcerias com órgãos ou entidades voltadas para a fiscalização da gestão pública. Ou seja, em nosso nome, vai eleger prioridades e bisbilhotar os que os gestores públicos de Gaspar estão fazendo com o nosso dinheiro e nos limites das leis que estão obrigados. Você pode saber mais acessando www.osbrasil.org.br.
A foto que abre o artigo e mostra a palestra de constituição do Observatório Social de Gaspar, os próprios a legendaram sobre os propósitos da instituição. Então, agora é cobrar o que eles próprios se propuseram. Vamos adiante.
IDAS E VINDAS
Este ensaio é antigo, desde que o Observatório Social de Blumenau era uma peça fundamental na vigília dos governos municipais de lá. Tão logo Kleber Edson Wan Dall, MDB, tomou posse em 2012, testemunhei um grupo de petistas, derrotados de Gaspar, numa reunião de sensibilização na sede da Acib – Associação Empresarial de Blumenau. Estavam ensaiando à criação do nosso Observatório Social.
Está aí um péssimo exemplo do passado. Ainda bem que não vingou. E por quê? Isenção zero. Ao mesmo tempo em que era um ensaio para uso político de uma ferramenta e entidade as quais deveriam apurar, fiscalizar, relatar à sociedade ou denunciar com neutralidade à órgãos de punição. Relatei isso aqui e tudo esfriou.
Até porque, um Observatório Social precisa de voluntários qualificados, com domínio de determinadas áreas na gestão pública, liderança, organização e no fundo, isto custa dinheiro, na mínima estrutura para mantê-lo. E diante do recuo do grupo petista, além da falta de interessados para se expor numa cidade que persegue quem aponta os defeitos dela com a intenção de corrigi-los, bem como o de bancá-lo financeiramente, o resultado ficou bem conhecido: o governo Kleber ficou soltíssimo. Deu no que deu. A cidade perdeu. O atraso, dúvidas e as trapalhadas ganharam espaços.
O melhor “observatório” e que levantou muitas bolas para serem chutadas foi este espaço. Entretanto, para quem estava na oposição, pois para quem esteve no poder, ou agora está, colocar dedos nas feridas, virou um problema e não um sinal de alerta e de oportunidade para a virada de mesa. Incrível!
MAIS UMA ENTIDADE?
Mas, Gaspar é uma cidade diferente. Nunca duvide disso. E se não cuidar de como as coisas nascem e caminham, será capaz de subverter até o senso do próprio Observatório Social do Brasil. Finalmente aconteceu na semana passada. O ensaio desse pessoal já durava dois anos. Duvidam? No dia cinco de maio 2023, neste espaço puliquei um artigo com este título: “GASPAR ENSAIA UM “OBSERVATÓRIO SOCIAL”. EXCELENTE NOTÍCIA. ATRASADA EM DÉCADAS. E QUEM LIDERA O PROCESSO? OS CALADOS DIANTE DE TANTOS DESCALABROS E DÚVIDAS“
Bingo. Naqueles dias, o presidente da Acig – Associação Empresarial de Gaspar – era o empresário Edemar Ênio Wieser. Ele até ensaiou estar numa das chapas que disputaria o pleito de outubro do ano passado. Quem é o presidente do Observatório Social de Gaspar? Edemar Ênio Wieser. Ele deixou a presidência da Acig. Espera-se que a imersão dele no curso “preparatório” do Observatório Social” e de outros que estão com ele nesta empreitada, tenha mudado à forma de ver a cidade e à gestão pública.
Quando presidente da Acig, Ênio foi um parceirão do poder público, o que não tinha transparência, o que não tinha prioridades, o que tinha e há um legado de muitas dúvidas, além do que, o poder de plantão, sobrevivia de muita marquetagem, incluindo até aquilo que travou a cidade para os empresários, empreendedores, investidores como as tais as licenças ambientais micadas por vários artifícios extra legis, bem como Plano Diretor desatualizado – em pelo menos dez anos, segundo o Estatuto das Cidades. Ele foi sucessivamente remendado ao gosto do freguês, ou à punição dos críticos. Aliás, este será o próximo tema dessa trilogia dos meus artigos desta semana.
Voltando.
O Observatório Social não pode ser a chancela aos erros que parecem continuar no suposto “novo governo”, mas abarrotado de gente do velho, fazendo as mesmas coisas já ultrapassadas tanto no método, como na necessidade e resultado.
O Observatório não pode ser um crítico ou fazer julgamentos públicos. O papel dele é, no fundo, o de impedir erros formais contra a cidade, cidadãos e cidadãs, investigando, apurando, levando a debate ou denunciando. É tornar Gaspar uma cidade melhor, mais confiável. Terá que ser um fiscal isento na defesa dos pagadores de pesados impostos, que no mínimo, merecem saber aonde estes pesados impostos e repasses de verbas federais e estaduais estão indo e à razão disso, das escolhas e das prioridades estabelecidas pelo poder público, ou governante de plantão.
Contudo, isto poderá se desviando já no nascedouro do Observatório Social de Gaspar. Sinais, há.
O HOSPITAL DE GASPAR NÃO PODE SER ALCANÇADO PELO OBSERVATÓRIO?
Um leitor meu (todos juram que só eu mesmo leio este espaço) estava lá no “lançamento”. Achou que teria lugar de fala. Não teve. Também não ficou incomodado. É do jogo. É do protocolo. E na primeira oportunidade entre a solenidade e o jantar por adesão – que ele não participou -, informalmente, perguntou aos bambambans se entre as escolhas, o Observatório Social de Gaspar poderia se meter a descobrir como estão sendo gerenciados os recursos no Hospital de Gaspar.
Quem foi perguntado – e bem longe de ser questionado -, ficou incomodado. Ai, ai, ai. E o que se alegou tergiversando? De que o Hospital não é uma entidade pública. E o foco do Observatório, segundo o gasparense entendido em Observatório, será o ente público. Em tese, certíssimo.
Caramba. O Hospital de Gaspar, cujo o dono quase ninguém na cidade sabe bem quem é, é na verdade, há muito, para lá de uma entidade filantrópica; é um ente público, sim. E quando ele adquiriu esta formalidade? Quando se submeteu à intervenção municipal e por conta disso, nele se despejam, absurdamente, em torno de 50 milhões de reais por ano, a metade ou mais do que se gasta em saúde pública no município. Então se o Observatório Social não consegue enxergar isto e que se tornou uma prioridade por exatamente ser um ralo sem fim de dinheiro escasso e bom do Orçamento Municipal, tragado pela falta de transparência, ou alguém viu uma prestação de contas do atual governo como pactuaram há décadas com o Ministério Público – circundado com muitas dúvidas nos seus resultados? Se a tese prevalecer o Observatório Social de Gaspar começou exatamente pelo que mais se temia: uma peça de decoração e poder.
Só falta convalidar as mazelas dos políticos e maus gestores públicos no poder de plantão. Muda, Gaspar!
TRAPICHE
Na segunda-feira em QUEM VAI DESENTERRAR O ATRASO EM QUE ESTAMOS METIDOS SE NÃO NÓS MESMOS? SAI GOVERNO. ENTRA UM “NOVO”. NADA PARECE MUDAR. – que deu o maior bafafá na barrosa e na cidade, mostrei como o “novo governo” do “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich e o engenheiro multitulado, Rodrigo Boeing Altoff, ambos do PL, enterravam o mote de campanha de mudança para ficar no atraso, quando se caminhava para seis meses de mandato e no prazo, expirando o tempo do “voto de confiança” que se dá a todo governante estreante. Antes eram 48 meses. Agora já são só 36.
Estou de alma lavada. E lamentavelmente, mais uma vez. Em cinco meses, pela primeira vez, o “novo” governo conseguiu reunir todos do primeiro escalão para uma conversa, aquela que todo técnico, mesmo os de várzea, faz com a sua equipe antes dela entrar em campo para jogar e enfrentar um adversário, conhecido ou desconhecido. Kleber Edson Wan Dall, MDB, dava espetáculo, neste assunto, semanalmente. Ao menos tinha controle no tempo dele das fofocas que orientam o atual governo.
Quer mais um exemplo de como o governo do “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich, PL, e do engenheiro multitulado Rodrigo Boeing Altoff está atrelado ao atraso e não exatamente às mudanças e futuro? Um dos pontos considerados fundamentais é o planejamento, projetos e alguém especializado na burocracia estatal de Florianópolis e principalmente Brasília, para buscar recursos, inscrever projetos, bater pernas, ter contatos no whatsapp, abrir sites oficiais, acompanhar processos, abrir portas…
Eu exagero? Eu trabalho contra? Então manja esta deste mundo sem gestão e muita fofoca correndo solta. Gaspar ficou o mês de janeiro, fevereiro e 20 dias de março sem diretor(a) geral de Gestão de Projetos e Convênios da ainda poderosa secretaria de Fazenda e Gestão Administrativa, tocada por Ana Karina Schramm Matuchaki. Ela não é nenhuma neófita no assunto. Ela integrou equipe de transição antes do atual governo tomar posse. Como Gaspar, que está reclamando ter herdado um Orçamento comprometido, que está reclamando não ter caixa, pode ficar tanto tempo sem um profissional nesta área de gestão de projetos e convênios?
Tem mais e não vou escrever sobre capacidade ou competência, mas, sim, da iniciativa. No dia 21 de março o governo de Paulo Norberto Koerich e de Rodrigo Boeing Althoff, ambos PL, trouxe Victor Guilherme Campoy Amato, de Balneário Camboriú. Atenderam ao PL e não exatamente a necessidade do governo e principalmente da cidade. Oito de abril o exoneraram. Credo! Entrou Alciania dos Santos Runckus. No dia 12 de maio, ela foi exonerada e entrou a par e de confiança da secretária, Daisy Aparecida Herkenhoff. Mais de dois meses sem ninguém. Os outros dois meses dançando com três nomes diferentes?
Agora, a pergunta que não quer calar é: como alguém pode planejar e produzir resultados se dura na função um mês? E esta não é uma exceção. Ou estão contratando mal, ou estão governando mal. Não há outra opção. Um dos conselheiros do novo governo, tem experiência de contratação na iniciativa privada. E ele sabe muito bem o que este estado de inércia e indecisão representaria para o ex-empregador dele, clientes quando teve consultoria e agora que tem empresa. Quem mesmo orienta essa gente. Estas notas já estavam escritas quando ontem na Câmara, o suplente de vereador Antônio Carlos Dalsochio, PT, humilhou o governo neste tema. Muda, Gaspar!

O acontecimento do ano I. Seis meses depois da Área Azul acabar em Gaspar e cinco do atual governo do “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich, e do engenheiro multitulado Rodrigo Boeing Althoff, ambos do PL, ela ameaça retornar. Mas, como era ao tempo em foi criada no primeiro governo de Pedro Celso Zuchi, PT, em 2003. Quando do anúncio desta semana, alguém pensou que seria moderna com parquímetro (o avanço que já se ultrapassou e se negou no atraso de Pedro Celso Zuchi, PT na proposta deixada em 2008 por Adilson Luiz Schmitt, sem partido), ou por aplicativo como é comum em todo lugar decente.
O acontecimento do ano II. E a prefeitura de Gaspar, por press release, que ganha manchetes nos veículos de comunicação da cidade, tem a pachorra de informar que o velho será num “novo formato”. Cruzes! E qual será este novo “formato”. Cartões! O mesmo método analógico antigo com apenas uma cara nova. Qual a novidade? Agradar a Deus e ao Diabo. Os cartões serão vendidos por entidades assistenciais para elas ganharem um troquinho. O controle? Manual, com pessoas, que nem se tem na Ditran esfacelada a espera da tal secretaria de Segurança. E tudo sujeito aos jeitinhos de sempre.
O acontecimento do ano III. O que diz e atesta o próprio “press release” da prefeitura, sem titular de comunicação? “‘Conseguimos garantir a segurança jurídica para a cobrança do estacionamento rotativo e, assim, podemos retomar o funcionamento da Área Azul, com a devida transparência. Enquanto isso, estamos trabalhando numa proposta de modernização do sistema’, salienta o prefeito [Paulo Norberto Koerich, PL]”.
O acontecimento do ano IV. Credo. Cinco meses para este atestado de atraso, agora com “segurança jurídica”. E da boca do próprio prefeito? Por que não arrumaram o “zézinho das couves” para esta famigerada “mea culpa” oficial? Esta é a comunicação que ensaca a imagem do líder. Ou os bruxos que o cercam – e ele dá trela – fizeram mais esta pegadinha? Pergunto mais uma vez: quem mesmo orienta essa gente? Quem está queimando o prefeito, aquele que na campanha dizia que precisava ser eleito para mudar, modernizar e colocar Gaspar no mapa da competitividade? Muda, Gaspar!
E para encerrar o TRAPICHE de hoje duas notas que dão o tom do “novo” governo. Ontem criou-se mais uma cortina de fumaça. Daquelas que só intoxica os do governo de plantão. Uma nota em rede social do “delegado prefeito”, que sumiu diante de tanto pau que levou, afirmou que ele tomou medidas enérgicas contra um professor. Qual o problema? O professor, numa aula, exibiu para seus alunos de nove e dez anos, um filme que está liberado para os maiores de 12 anos.
Não vou entrar no mérito, até porque o malho já corre solto nas redes sociais da cidade e além fronteiras, em nova exposição do governo. Interferência pessoal do prefeito, segundo ele próprio fez questão de ressaltar, certamente motivado por fofocas, não produz nenhum resultado prático de mudanças para a cidade. O “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich, PL, mais uma vez, como delegado, falou para e empurrado por seus convertidos ideológicos. Também não vou entrar no mérito até porque não assisti o filme, ainda, mas apenas li a sinopse dele. Mas, tem cheiro de censura e por fofoca moralista, isso tem. Pior é a interferência pedagógica em algo que precisava ser cautelosamente investigado e resolvido na sala da direção da escola. Se não se cuidar, isso ainda vai rodar o mundo.
A nota oficial que está faltando e a cortina de fumaça criada com afastamento unilateral, preventivo e crucificação do professor pela escola com anuência pública do prefeito, esconde é a falta providência que o governo de Gaspar, ao menos, publicamente, e com a mesma ênfase da no caso do professor, não teve depois da morte de um menino, de idade similar aos que assistiram o filme. O menino com vida diagnosticada em perigo de morte, morreu no Hospital de Gaspar esperando por ambulâncias para um socorro especializado. Aliás, tem vereador atrelado ao governo de Gaspar que está pedindo socorro para crianças de outros municípios. Nada contra. Mas, mudinho, até agora, no caso daqui. Credo.
E por fim. Pelas fotos que inundaram as redes sociais nesta semana, parece que o gabinete do prefeito de Gaspar, virou sala de autoridade policial. Muda, Gaspar!
4 comentários em “UM OBSERVATÓRIO PARA FAZER O SOCIAL ENTRE OS PODEROSOS DE PLANTÃO, OU VIGILANTE PARA BOTAR O DEDO NAS FERIDAS, TENTAR CURÁ-LAS E VIRAR UMA PÁGINA QUE TEIMA EM FICAR NO MESMO LUGAR POR AQUI? ”
O BRASIL E OS ESPIÕES, por Willian Waack, no jornal O Estado de S. Paulo
A primeira operação documentada de espionagem de Moscou no Brasil data de 1935 e acabou muito mal. Na época, um casal de agentes soviéticos dirigia de Copacabana o fluxo de dinheiro e mensagens com a central em Moscou na Intentona Comunista encabeçada por Luiz Carlos Prestes.
O grupo todo enviado por Moscou foi desbaratado, morto, preso, torturado e os que escaparam – como o casal de agentes soviéticos, ucranianos de nascimento – tiveram na volta para casa destino semelhante. O Estado ganhou o Prêmio Esso de 1993 com a reportagem contando esse episódio – e como o famoso “ouro de Moscou” tinha sido dinheiro recebido por Prestes de Getúlio e levado para a URSS.
Nos relatórios desses espiões da precursora da KGB o Brasil era um país no qual tudo era difícil por falta de disciplina, desorganização e baixa confiabilidade dos integrantes locais da tropa de revolucionários internacionais. A causa, segundo eles, da derrota de Prestes.
No imaginário russo o Brasil sempre foi uma espécie de paraíso tropical fantástico, o que se refletiu na foto com a qual o último chefe da KGB em Brasília se despediu do País quando a União Soviética implodiu e ele fechou o escritório no começo da década dos anos noventa. Ele se deixou fotografar diante do Planalto carregando no dedo uma vistosa arara, publicada pela Veja, a quem o espião aposentado disse que nada de muito sério havia tramado no Brasil.
De lá para cá não se ouviu mais falar de espionagem russa no Brasil, até as revelações trazidas agora pelo New York Times. Segundo as quais essa mesma bagunça pode ser uma grande oportunidade: a de se obter facilmente documentos com os quais se permite criar uma identidade “real”. Além do fato de que qualquer sobrenome ou fisionomia pode ser a de um brasileiro, o que sempre tornou passaportes brasileiros muito procurados no mundo da clandestinidade política ou criminal.
Nota-se que os espiões russos criados aqui estavam sendo preparados para atuar em outras paragens. Ser cidadão de um país, como o Brasil, afastado de qualquer conflito internacional relevante não levanta inicialmente nem muita atenção nem muita suspeita. E, à exceção da Tríplice Fronteira, o País não é palco de disputas subterrâneas entre grupos políticos internacionais organizados de qualquer tipo.
Em outras palavras, nossa relevância no mundo das operações secretas hoje está ligada ao tremendo peso que assumiram o crime organizado, suas ramificações internacionais e sua imensa capacidade operacional e controle de vastos territórios, como a Amazônia. Não há segredos a serem roubados por aqui. Só há oportunidades.
AO DESMASCARAR ESPIÕES RUSSOS NO BRASIL, PF EXPÔS BRECHAS EM CARTÓRIOS, editorial do jornal O Globo
Foi exemplar o trabalho da Polícia Federal (PF) na repressão a agentes russos no Brasil. Com a ajuda de serviços de inteligência, pelo menos nove espiões usando documentos brasileiros foram desmascarados ou presos nos últimos seis anos. O jornal New York Times resumiu no título o que se passou por aqui: “A fábrica de espiões”.
Desde quando trabalhava na extinta KGB, Vladimir Putin tem predileção por agentes que adotam nova identidade em país estrangeiro, muitas vezes tendo sido criados neles — os “ilegais”. São diferentes dos “legais”, que espionam disfarçados de diplomatas. Os “ilegais” vivem longos anos no exterior, renunciam à própria família e não têm imunidade. Quando pegos, são presos, não expulsos. Um exemplo conhecido foi o casal Mikhail Vesenkov e Vicky Pelaez, que emigrou do Peru para os Estados Unidos em 1985 e viveu como casal americano até a prisão, em 2010. Eram parte de uma rede de “ilegais” que incluía de empresária do setor imobiliário a aspirante a socialite em Nova York (a descoberta do FBI inspirou a série “The Americans”).
A proliferação de celulares, câmeras de vigilância e ferramentas de biometria dificultou a vida dos “legais”. Diante disso, os “ilegais” se tornaram mais atraentes, embora exijam tempo e dinheiro. Tradicionalmente, as Américas são o continente preferencial dos russos para incubá-los. Nos países multiétnicos da região, aparência e sotaque passam despercebidos. Por décadas, o Canadá era o predileto. Não havia registro centralizado de nascimentos, e não era difícil assumir a identidade de um bebê morto. Demorou, mas os canadenses melhoraram a vigilância. Foi então que os russos aumentaram a presença na América Latina.
“Buenas noches”, disse Putin ao receber na Rússia no ano passado uma família de “ilegais” presos pela Eslovênia. Até o avião decolar para Moscou, nem os filhos de 9 e 12 anos sabiam do vínculo dos pais com a Rússia. Para eles, eram argentinos. Aqui no Brasil, os agentes desmascarados pela PF também tinham como objetivo atuar no exterior. Em abril de 2022, Victor Müller Ferreira decolou para a Europa para fazer estágio no Tribunal Penal Internacional, bem quando a Corte começava a investigar crimes de guerra na Ucrânia. Avisadas pela CIA de que Ferreira era, na verdade, Sergey Vladimirovich Cherkasov, as autoridades holandesas negaram entrada no país. De volta ao Brasil, ele acabou preso.
A investigação da PF começou a partir da prisão de Cherkasov. Policiais examinaram milhões de registros de identidade em busca de “fantasmas”, pessoas com certidões de nascimento legítimas, mas sem trajetória no Brasil, cujos rastros só apareciam na vida adulta. Os russos conseguiam certidões de nascimento fraudadas. A partir daí, obtinham o resto da documentação.
O trabalho da PF também expõe as brechas que facilitam a atuação dos “ilegais” no Brasil. A principal é um sistema descentralizado que permite a emissão de certidões para quem nasceu do outro lado do mundo. No mínimo, é preciso haver melhor controle sobre os cartórios.
AS VAIAS SÃO TRILHA SONORA DE CRISE SEM FIM, por Vera Magalhães, no jornal O Globo
As vaias se sobressaíram aos aplausos na recepção ao presidente Lula na marcha dos prefeitos em Brasília nesta terça-feira. O petista poderia ter passado batido pelos apupos, mas acusou o golpe ao dizer que nunca fez distinção partidária ou ideológica para atender a municípios e seus representantes em todas as vezes que ocupou o Planalto. Sua fragilidade diante de um cenário cada vez mais adverso, em que as crises, em vez de ser debeladas, vão se somando, é cada vez mais notória.
O contingente que compareceu ao evento anual dos prefeitos é aquele que emergiu das urnas no ano passado, sem que o entorno de Lula desse a devida importância: administradores oriundos de partidos do Centrão, em grande parte reeleitos ou eleitos com apoio de gestores alimentados à base de emendas direto na veia. Esses políticos são dissociados de qualquer vínculo mais forte com o Planalto, por isso não estão nem um pouco preocupados em demonstrar um tipo de gratidão com que Lula se acostumou nos mandatos anteriores — e não entendeu que não existe mais.
O presidente também tem demonstrado em público outro tipo de desamparo, que as vaias realçaram: a ausência de assessoramento firme, que o tire de constrangimentos públicos cada vez mais frequentes e lesivos à sua imagem. Ele não parecia ter sido suficientemente alertado sobre a enorme possibilidade de enfrentar protestos ao comparecer ao palco de um evento composto por esse público. É inacreditável, já que as vaias já haviam acontecido no ano passado.
Sua fala com críticas ao Judiciário para afagar os que tinham acabado de vaiá-lo também não teve nexo. Lula sempre foi crítico ao orçamento secreto e ao avanço do Legislativo sobre a destinação de recursos públicos, retirando a possibilidade de o Executivo alocar verbas para seus programas prioritários e atrofiando sua capacidade de articulação política.
Acuado pela hostilidade da marcha, embarcou numa linha de argumentação sem pé nem cabeça, segundo a qual não se deve judicializar tudo sem “esgotar” a negociação política, justamente o que seu governo faz sistematicamente, recorrendo ao Supremo quando não tem maioria no Congresso.
O aceno veio logo depois de o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski —que, diga-se, não é prefeito de nenhum município desde 2004!— demonstrar indignação pelo “absurdo” de prefeituras terem de apresentar projetos para obter acesso a recursos de emendas e recomendar aos gestores municipais que “abram o olho” para o que considera arbítrio do Judiciário. Realmente, o grau de desfaçatez consentida por um presidente acuado não poderia ser maior.
Que dizer do morde-assopra que o presidente pratica em público em relação a seus principais assessores, prolongando o desgaste causado pela inapropriada intervenção da primeira-dama, Janja da Silva, no jantar com a cúpula do governo chinês?
O próprio Lula resolveu fazer um embaraçoso desagravo público a Janja quando o assunto veio à tona. Depois, foi ele quem passou um sabão nos próprios ministros no voo de volta. Não satisfeito em esticar a lambança diplomática, escolheu o palco onde já tinha sido recebido entre palmas e apupos para fazer um carinho no titular da Casa Civil, Rui Costa.
Ao explicitar a principal de muitas críticas ao ministro, de que não deixa nada andar no governo, lavou de novo roupa suja em público e mostrou que as mudanças até agora, sobretudo na cozinha do Planalto, não trouxeram rigorosamente nada em termos de ganho de eficiência, capacidade de articulação parlamentar e, como se viu com a reação dos novos prefeitos, de composição política, atributos essenciais para o governo sair do lodaçal de crises em que a cada semana se afunda mais.
COMEÇOU A TEMPORADA DAS “JENEALIDADES”, por Lu Aiko Otta, no jornal Valor Econômico
O ano pré-eleitoral e a crise na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocaram em força máxima a usina de ideias de novas medidas para conquistar o coração do eleitor. O problema é que o governo cuida mal dos programas que já existem, como mostra o recente escândalo dos descontos não autorizados no INSS.
Além disso, por serem genéricas, informações sobre planos e ideias deixam no ar a dúvida se representam ou não pressão para aumentar gastos, já fortemente comprimidos pelo arcabouço fiscal. Ou, como tem sido a tendência mais recente, se são despesas que, por serem financeiras, não afetam o resultado primário das contas públicas e o arcabouço, mas podem aumentar a dívida.
Como informaram neste jornal os repórteres Sofia Aguiar e Renan Truffi, estão no forno linhas de crédito para melhorar moradias precárias e para trocar motocicletas. A tarifa social nas contas de luz deve ser ampliada, assim como o vale-gás.
Se envolverão subsídios do Tesouro ou redução de impostos, não se sabe ainda.
A mesma dúvida se aplica aos anúncios feitos ontem por Lula na Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. Ele falou no lançamento de uma linha de crédito para reformar casas com a menor taxa de juros possível e no programa que dará acesso a especialidades médicas. O presidente não detalhou como serão financiadas.
A revista “Veja” noticiou na semana passada a intenção do governo de elevar o benefício do Bolsa-Família de R$ 600 para R$ 700 em 2026. O novo gasto agitou o mercado. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, veio a público para negar estudos nesse sentido.
Por causa do arcabouço fiscal, que limita gastos do governo e impõe que neste ano receitas e despesas ficarão no zero a zero, há pouco espaço para “jenialidades”, como são chamadas nos bastidores as novas medidas de apelo popular com impacto fiscal. Encontrar recursos no Orçamento para bancar esses programas é sofrido.
Assim, buscam-se formas alternativas. A ampliação do vale-gás, por exemplo, foi originalmente desenhada para transitar fora do Orçamento: recursos do pré-sal seriam repassados diretamente para a Caixa, que operaria o programa. O Tribunal de Contas da União (TCU) estrilou. O programa será redesenhado e a condição imposta pela área econômica é que transite pelo Orçamento.
O Ministério de Minas e Energia também quer ampliar a isenção da conta de luz para 60 milhões de pessoas. Para não impactar o Orçamento, propõe cobrar a conta dos grandes consumidores.
“É populismo”, reagiu o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, em conversa com a coluna. Vai tirar a competitividade dos produtos brasileiros justamente no momento em que a concorrência com itens produzidos na Ásia ficará mais acirrada, diante do fechamento parcial do mercado dos EUA.
Nesse cenário de aperto orçamentário, fundos e operações de crédito viraram válvulas de escape.
Por exemplo, um leilão de cotas do antigo Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) resultou em R$ 816 milhões, que serão aportados em uma das obras mais emblemáticas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): a ferrovia Transnordestina. Outros R$ 350 milhões foram obtidos com a venda de cotas do Fundo de Investimento da Amazônia (Finam). Podem ser aportados na linha de transmissão Manaus-Boa Vista. Os recursos serão entregues aos concessionários, como operações de crédito.
Como informou a repórter Edna Simão, deste jornal, o governo enviou ao Congresso Nacional propostas para ampliar a atuação de bancos oficiais. Quer autorização para o Banco do Nordeste (BNB) abrir subsidiárias e para a Caixa constituir uma fundação. São estruturas que outros bancos já possuem, alega o governo. Especialistas avaliam que essas mudanças podem abrir brechas para a realização de políticas públicas fora do Orçamento.
Enquanto isso, programas já existentes mostram problemas. Este jornal trouxe na segunda-feira reportagem de Isadora Peron dando conta de que a Polícia Federal investiga a venda de registros no CNPJ de estabelecimentos cadastrados no Farmácia Popular. São apuradas fraudes estimadas em R$ 2,5 bilhões de 2015 a 2020.
O Pé-de-Meia é auditado pela Controladoria-Geral da União (CGU). Os pedidos de ressarcimento no INSS ultrapassam 1,6 milhão.
A digitalização abre uma avenida para melhorar o controle sobre quem, não deveria, mas é beneficiado por programas federais. Esse é um trabalho que avança a duras penas, informam técnicos, por causa de uma combinação de falta de recursos, de pessoal e de apetite político em desmontar esquemas há muito estabelecidos.
O pente-fino de R$ 25,9 bilhões prometido para este ano deverá produzir economia bem menor. A revisão de gastos é vista como impopular e imprópria para anos eleitorais.
Mas não deveria. A correção de desvios poderia evitar novos escândalos e demonstrar zelo com o cidadão e com o dinheiro do contribuinte. De quebra, poderia abrir espaço no Orçamento para acomodar os novos programas que os estrategistas políticos tanto querem viabilizar.